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Uma década sem Padre Wiro: sacerdote comprometido com causas sociais

Padre Wiro em Iporá. Fonte: Sra. Maria das Dores.

Há 10 anos faleceu Gerardus Adrianus Wiro Van Vliet, conhecido carinhosamente pela população de Iporá por Padre Wiro. Nascido na Holanda, na aldeia de Snelrewaard, na cidade de Oudewater, província de Utrecht, em 13 de maio de 1927, Padre Wiro foi ordenado sacerdote da Congregação São Paulo da Cruz no dia 7 de setembro de 1942, contexto de conflitos no continente europeu em virtude da II Guerra Mundial (1939-1945). 

A vinda de Wiro para Goiás foi animada pelo espírito missionário dos passionistas. Os religiosos passionistas batavos, vinculados à Província Mater Sanctae Spei (Mãe da Santa Esperança), desembarcaram no Brasil em 1956. Segundo informa a página da Diocese de São Luís dos Montes Belos, o grupo missionário era constituído pelos sacerdotes Estanislau Arnoldo van Melis (1911-1998), Venâncio van Kuppenveld (1920-1994), Guilherme van Lier (1926-1994) e Gerardus Adrianus Wiro van Vliet. Os religiosos tiveram tempo de conhecer a cultura brasileira e a língua portuguesa antes de chegarem aqui, em 1958. A vinda para o nosso Estado foi consequência de uma solicitação do Bispo da Diocese de Goiás, o dominicano italiano Dom Cândido Penso, que se preocupava com a efetividade do trabalho sacerdotal no interior do Estado.

Naquele momento, a Igreja Católica procurava intensificar suas atividades religiosas na região do Mato Grosso Goiano, acompanhando, assim, as novas dinâmicas sociais provocadas pelo surgimento das cidades de Goiânia e de Brasília. A vinda dos passionistas foi importante para a criação da Prelazia de São Luís de Montes Belos, em 25 de novembro de 1961, sob o pontificado do Papa João XXIII. Mais tarde, em 02 de setembro de 1981, sob o pontificado do Papa São João Paulo II, a circunscrição religiosa ascendeu à condição de Diocese, abrangendo 36 municípios da região que outrora eram parte da circunscrição eclesiástica da Diocese de Goiás e da Diocese de Jataí. O holandês Estanislau Arnoldo van Melis foi sagrado Bispo em 2 de janeiro de 1963, conforme lemos no Catálogo Pastoral da Diocese de São Luís dos Montes Belos.

A primeira visita feita pelos passionistas a Iporá ocorreu em 17 de julho de 1958, quando um avião trouxe o Bispo Diocesano Dom Cândido Penso, acompanhado dos missionários Venâncio van Kuppenveld e Estanislau Arnoldo van Melis. Passados alguns anos, no dia 07 de janeiro de 1964, vindo de Anicuns, Padre Wiro se instalou em Iporá. Cinco dias depois de sua chegada, no início da Novena de São Sebastião, estação das chuvas, o religioso tornou-se o novo vigário da cidade, logo após o sermão ministrado pelo então Bispo Dom Estanislau, conforme Wiro registrou de próprio punho em documentos da Paróquia de Iporá.


Passionistas em Anicuns em 1963. Da esquerda para a direita, estão: Parde Wiro, Irmã Gemma, Irmã Rosa, Irmã Carla, Padre Pedro, Irmã Margaretha e Padre Antônio. Fonte: Historie Molenhoek, Holanda. Disponível em: www.historiemolenhoek.nl

Dono de grande inteligência e profundamente comprometido com o viés social do evangelho, Padre Wiro se notabilizou pela disposição pastoral em favor dos mais pobres e por sua capacidade de sintetizar, a partir de seu lugar religioso, as dinâmicas sociais de um país que se preparava, ao longo da década de 1980, para ingressar em uma nova ordem democrática. Sua dedicação religiosa e a vontade de esclarecer os fiéis católicos a respeito da realidade brasileira foi materializada na publicação regular de boletins que narravam o cotidiano católico de Iporá e região, além de outras atividades de divulgação religiosa, em especial na Rádio Rio Claro, que denotavam o entusiasmo do padre pelos meios de comunicação.

Nos boletins, Padre Wiro também tecia comentários a respeito do contexto social e político daquele tempo, com ênfase na questão agrária, assim como reproduzia outros textos que ele julgava importantes para a educação de seus leitores. O primeiro desses informativos foi lançado no ano de 1974 com o título de “Boletim Informativo da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá”. A partir do número 149, publicado em 06 de julho de 1980, o periódico passou a se chamar “Boletim Comunitário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário”. Do que foi possível verificar em pesquisa recém-realizada pelo Curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Goiás – Campus Iporá, a publicação circulou regularmente até o início dos anos 2000.

Aqueles que conviveram com o Padre Wiro assinalam sua amabilidade, seu ânimo conciliador e seu senso de justiça social. Pertencente a um contexto histórico e religioso particular, o da democratização e o da inscrição do pensamento social católico no espaço público brasileiro, é possível acrescentar, com base nos boletins supracitados, que Wiro foi um crítico dos arranjos sociais e de poder e certamente um indivíduo corajoso já que algumas de suas publicações denunciavam episódios de violência, desigualdade e conflitos no campo. O boletim dirigido pelo padre foi um dos que deram visibilidade ao episódio de violência ocorrido em zona de garimpo em Israelândia no ano de 1985. O padre chegou a ser vítima de agressão no mês de agosto daquele ano em virtude de suas posições sobre a questão agrária, o que não aplacou nem sua indignação social, nem seu horizonte ético-religioso.

O sacerdote dedicou grande parte de sua vida à formação de jovens católicos dotados de uma espiritualidade socialmente engajada. Inspirado pela Teologia da Libertação, Padre Wiro acreditava que a “opção pelos pobres” deveria sustentar uma identidade religiosa em afinidade com as demandas da jovem democracia brasileira e com a realidade de Iporá e região, em especial. Dono de uma personalidade afável, o sacerdote se notabilizou pelo cuidado com o próximo e com aqueles que viviam em situação de vulnerabilidade.

Wiro defendia uma espiritualidade comunitária em várias passagens dos boletins e, em virtude disso, apresentava uma leitura crítica face a dimensão utilitarista e individualista que perpassava outras espiritualidades. Segundo ele, essa dimensão deixava de considerar o cuidado com o próximo como expressão ética maior do cristianismo. Hoje, alguns daqueles jovens que foram alcançados pelas atividades pastorais de Wiro são homens e mulheres engajados em atividades dentro e fora da Igreja que reproduzem a dimensão comunitária e cidadã propalada pelo padre.

Existem múltiplos fios da história regional que merecem nossa atenção. Wiro é parte de um deles e, certamente, um dos mais importantes do ponto de vista da história das religiões nessa região do Estado. A existência de instituições que trazerem o nome do passionista são monumentos que testificam seu lugar na consciência histórica desse município. Debruçar-se sobre as experiências do passado que influenciam o presente, em especial aquelas que dizem respeito ao cotidiano da população, suas lutas, angústias, criatividade e realizações, é parte do ofício do historiador.

Nenhuma sociedade pode prescindir desse importante exercício intelectual e formativo já que ele permite refletir, a partir do que Reinhart Koselleck chamou de “campo da experiência”, sobre a constituição contemporânea de nossas vidas. Nessa perspectiva, Wiro foi um agente histórico que inspirou a identidade religiosa de parte da catolicidade local. Por esse motivo, rememorá-lo, como fazem muitos católicos e não católicos após uma década de sua passagem, é fundamental para sabermos quem somos.

Para os interessados, o radialista, Licenciado em História e Diácono Pedro Cláudio realizou uma pequena entrevista com Padre Wiro nos anos finais de seu sacerdócio. A entrevista pode ser acessada no link a seguir: https://soundcloud.com/user-465378369-568497379/padre-wiro-van-vliet-quem-foi-sao-paulo-da-cruz-sua-opcao-por-ser-religioso-passionista-entrevista-no-ano-de-2011-a-rio-claro-am-ipora
– Colaborações críticas: Prof. Dr. Tiago de Jesus Vieira (UEG, Câmpus-Iporá); Prof. Dr. Alan Oliveira Machado (UEG, Câmpus-Iporá); Pe. Célio Amaro, C.P. (Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora).


Texto de João Paulo Silveira. Doutor em Sociologia (UFG). Professor do Curso de História da UEG, Câmpus Iporá e do Programa de Pós-graduação em História do Câmpus Morrinhos. Membro do Núcleo de Estudos da Religião Carlos Rodrigues Brandão – FCS-UFG.  

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