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A obra TONICO presta um serviço didático e antropológico à Iporá

Um livro histórico/geográfico, regionalismo puro. Traz a genealogia de três gerações. Tem como pano de fundo os assassinatos de Tonico. Nome que dá título ao livro e encerra-se nele também os três personagens principais trama. Antônio avô, filho e neto.

 

O livro começa, já em seu primeiro parágrafo, com Antônio (avô) enterrando um corpo e finalizará em suas últimas páginas, com o desenterro dos corpos pelo neto (Antônio neto). Diga-se de passagem, nesta última cena, Bibiana e Bertoldo estão na cozinha enquanto podem ver da janela o dessepulto, abrem um vinho enquanto cortam legumes, ao meu ver, é a parte mais lírica, nostálgica e poética do Livro. O autor descreve a cozinha e os afazeres dos dois com a maestria de um Graciliano Ramos.

 

O primeiro Antônio representa uma geração ignorante, rude, onde se resolvia as desavenças na bala. Era o perfil do inescrupuloso, ou a máxima – do meu prazer em detrimento de qualquer coisa – . A vida, em sua lida, nesses tempos (idos dos anos 40 no sertão do interior de Goiás) era dura, no sentido operacional, prático. Quase tudo era à força. Na bruta que se imprimia a sobrevivência naqueles ermos e gerais, pra citar Bernardo Elis.

 

Na segunda geração, ou segundo Antônio, filho do primeiro, já se destaca a civilidade, se prima pelo bom senso, e o espírito de antes, que era rústico ganha contornos de capitalismo, urbanidade e tecnologia no segundo.

 

Quanto a Antônio Neto, a prodigalidade é evidente. A busca por conhecimento, pensamentos filosóficos e uma avidez por leitura mostra como as gerações foram mudando. “Teus filhos serão melhores do que você” disse Leonardo Da Vinci. Valdeci Marques coloca esse dístico em prática. A história do romance em si não chega a ser extraordinária, o valor e grandeza dessa obra está mesmo no que tange o regionalismo. Os fatos são fictícios mas as pessoas são reais. Mistura realidade com ficção, assim o leitor se envolve com o livro como se tivesse vivendo a ficção. É uma nave que nos leva aos anos de 1944 em plena Iporá que ainda estava por existir. O leitor terá a oportunidade de conhecer onde, como e quando esta cidade foi se fazendo. As décadas vão passando e cada tempo deixa seu legado, sua herança.

 

Os personagens do livro de um romancista se confundem com ele mesmo, é um pedaço da sua alma. Claro está então que os três Tonicos são conspectos do compêndio chamado Valdeci Marques.

 

Poderíamos dizer que o primeiro Tonico representa o Id do autor, segundo Freud. O ID é o nosso instinto; este aspecto da personalidade é totalmente inconsciente e inclui os comportamentos instintivos e primitivos. “o animal do homem” diria Friedrich Wilhelm Nietzsche.

 

O segundo Tonico está para o Ego: componente da personalidade que é responsável por lidar com a realidade. O ego adequa os seus instintos primitivos (o Id) com o ambiente em que vive. Muito próprio de Antônio Filho.

 

Por fim, Antônio Neto representa o Superego, ou aquilo que é o ideal, ou o que o autor consciente ou inconscientemente gostaria de ser. Mora aqui o senso de certo e errado. São os valores culturais e morais. O superego funciona como conselheiro, bem no perfil desse personagem. Ao meu ver, este último é o protagonista do romance.

 

Podemos identificar a sociedade de Iporá, hoje, dividida ou sedimentada nesses três personagens. Os que ainda estão na geração do primeiro Tonico e os que já inauguraram a segunda década do milênio, o que seria o perfil de Antônio Neto.

 

A filosofia e reflexão são temas recorrentes nas obras valdecianas. O autor recorre ao existencialismo e outras tantas linhas para indagar, afirmar, duvidar e metamorfosear. Em Tonico (a Obra) isso não fugiu à regra. Cada capítulo do livro é iniciado com uma epígrafe que retratará o que se segue nas próximas linhas, convidando, muitas vezes, ao divagar em metafísicas ou simplesmente nos elevando aos sentimentos de poesia. Outro tema recorrente em suas obras é a morte, já abordada em seus dois últimos livros. Cada autor adorna sua arte com o perfume que lhe é peculiar. Estes são alguns de Valdeci Marques.

A história se passa na região oeste de Goiás e tem o desenrolar do seus novelos na cidade de Iporá. Instrutivo, o livro narra pessoas e fatos reais, seus costumes, seus nomes, na cronologia da sua geografia. A obra presta um serviço didático, antropológico à Iporá, revelando e perpetuando sua história real.

 

Um livro histórico, no sentido da sua importância. Sim, porque a personalidade de um povo é feita das seus costumes, tendências, feitos, indumentárias, políticas, artes, enfim, culturas. Retrata o que foi o interior de Goiás, nessas bandas, de quarenta até o final da década de 80.

 

Ao narrar os sonhos, crenças, dores e amores, passando por três gerações, desde a doação das terras que um dia se tornaria a cidade de Iporá, o autor, vai desvendando o nome e sobrenome de Iporá.

Onomástica é considerada uma parte da linguística, com fortes ligações com a história e a geografia. É o ato de nomear, (dar nome) é o estudo dos nomes próprios de todos os gêneros, das suas origens e dos processos.

 

Valdeci Marques, sem dúvidas, usa e abusa da onomástica. Os personagens do romance, são alusões a pessoas que viveram, cresceram e morreram na região de Iporá. Certamente, quem é Iporá, ao ler o livro, vai achar algum parentesco, ou, no mínimo, já conviveu com algum dos nomes citados. O autor apresenta como a história das ruas e arquitetura da cidade foi se constituindo, a historiografia dos seus surgimentos é uma viagem à parte. Vamos ser apresentados aos personagens reais que dão seus nomes as avenidas e ruas de Iporá.

 

Ainda falando da sacada genial de Valdeci Marques ao explorar onomasticamente este romance, ele nos convida a visitar os registros de nascimento de lanchonetes e lojas dos pioneiros de Iporá. Casos esses que, não fosse a literatura valdeciana, poderiam ter se perdido no sumidouro das memórias.

 

A própria Obra tem por título um nome próprio; “Tonico”. Seria essa uma homenagem, de Valdeci Marques, ao ex-prefeito José Antônio, já que é público e explicito a admiração que o autor tem por ele? Se o autor não o fez conscientemente, podemos afirmar que, no mínimo, foi um ato falho, diria Freud. Por certo o inconsciente do romancista houve de trasbordar.

 

Fato se faz que é um livro iconográfico: desenha a imagem de Iporá. Desde a tenra infância até hoje.

 

Somos iguais em tudo, mas cada pessoa tem suas características próprias, únicas em suas idiossincrasias. Com as civilizações, países e lugares, não é diferente. Haviam milhares de tribos indígenas no Brasil quando os portugueses aqui chegaram. No entanto as individualidades de aldeia para aldeia diferiam uma a uma.

 

Somos cinco mil quinhentos e setenta municípios no Brasil e cada um tem suas raízes, cada árvore individualmente dá seus frutos sui gereris; e o conjunto dos frutos de cada arvore são únicos.

 

Valdeci Marques vem contribuir com essa identidade, personificando nossa história, nosso álbum de vida. Você pode sair da sua cidade, mas sua cidade nunca sairá de você. Sim, porque é constituinte do seu DNA. No templo de Delfos está escrito, “Conheça a ti mesmo” E para nos conhecermos temos que nos perscrutar, temos que mergulhar em nossos labirintos. O livro Tonico, nos convida a essa viagem.

O romance vai revelando e perpetuando esse filme da vida real chamada Iporá. Podemos entender como as gerações foram se transformando no espaço e tempo. Percebemos a cidade como um organismo vivo na Obra. Sua evolução se confundindo com o itinerário dos seus habitantes. A evolução dos pensamentos e conceitos.

 

Suas páginas revelam nuances e traços do caráter de Iporá, se é que se pode dizer assim. Vemos uma comunidade conservadora, religiosa e família, muito família, mas com uma tendência ao empreendorismo, ao novo, à tecnologia. O regionalismo contado de um jeito único.

 

Disse Sidarta Gautama, “ninguém nasce numa pátria ou família que não seja a sua”. E nada mais espiritual do conhecer-se a si mesmo. Esta Obra propõe raízes. Abre as sementes do passado para entendermos um pouco de um povo e seus arvoredos. Um livro especial para quem se fez Iporaense de nascença, de berço ou mesmo de coração.

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