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Floris e frutos: 23 anos sem Padre Florisvaldo Saurim Orlando

No dia 16 de julho, indivíduos de vários cantos do país lembraram os vinte três anos da passagem de Padre Florisvaldo Saurin Orlando (1952 – 1997), conhecido por Padre Floris. Dedicado especialmente à juventude, Floris deixou uma importante marca nos corações daqueles com quem conviveu. Sua atuação em nossa região aconteceu no contexto de esperança prodigalizada pela redemocratização do Brasil, por volta da metade da década de 1980. Naquele tempo, os jovens de nossa região também engendravam novas expectativas de vida a partir do que a modernidade de melhor e mais substancial lhes oferecia, em especial a educação, a cultura da participação política e as artes.  

 

Florisvaldo Saurin Orlando nasceu em Padre Nobrega, São Paulo, em 24 de fevereiro de 1952. Ingressou no seminário passionista, em Osasco, em 1964.  Seu noviciado aconteceu no Rio de Janeiro, em janeiro de 1974. Aos vinte e dois anos de idade, Floris realizou seus primeiros votos religiosos na Congregação Passionistas. Em 1977, conquistou o diploma em Filosofia pela PUC-PR e, em 1980, alcançou o diploma de Teologia pela PUC-RJ. No mesmo ano, foi ordenado padre na Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Paranavaí, Paraná. No ano seguinte, a Província Passionista do Calvário, com sede provincial na capital paulista, enviou o jovem sacerdote para atuar como Assessor Diocesano da Pastoral da Juventude na Diocese de São Luís de Montes Belos, Goiás. Mais tarde, no início dos anos 1990, Floris se tornou Assessor Nacional da Pastoral da Juventude junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

 

O Padre não se percebia como um líder digno de respeito especial. Apesar de lutar contra problemas de saúde, nada o impediu de fazer amigos no Brasil e no exterior e de experimentar enfrentamentos por conta de suas posições. As intempéries ou bonanças jamais mudaram o jeito simples que o caracterizava. Filho de um contexto ansioso pela superação do autoritarismo, seu ministério se baseava no entendimento de que o diálogo era uma prática fundamental para o cuidado do jovem. Aqueles que o rememoram também apontam a personalidade paciente e o espírito pedagógico do padre.

 

 Artesão de uma espiritualidade criativa, que se orientava pela “opção preferencial pelos pobres”, Floris se dedicou à formação de moças e moços da classe trabalhadora de Goiás, inclusive de nossa região, e do Brasil. Sua preocupação era estimular naquela juventude o cultivo de uma espiritualidade colaborativa, inclusiva, comunitária, alegre, autônoma, disposta aos estudos e consciente de que a justiça social, tema corrente no contexto da Assembleia Constituinte, tinha também um significado evangélico. Além da formação de grupos de jovens, o passionista dedicou-se, em alguns momentos, em Iporá, à instrução espiritual através das ondas do rádio.

 

Na rádio, o padre atualizava a população local a respeito dos lances sociais e políticos daquele momento e os interpretava a partir de seus compromissos de fé. A movimentação em favor das “Direta Já” foi objeto de suas reflexões.  No roteiro de um de seus programas, na Rádio Rio Claro, datado em 17 de maio de 1984, é possível ler a seguinte: “Os profetas vem falar em nome de Deus, que a fé verdadeira, no Deus verdadeiro, manifesta-se por um comportamento novo, pela prática da justiça e pela luta pela justiça entre os homens”.  O conteúdo de sua fala repercutia também no Boletim Paroquial dirigido pelo Padre Wiro Van Vliet. Certamente, o trecho acima lança luz sobre o entendimento que Floris tinha do papel da fé naqueles dias de transformação política.

 

Floris foi um sacerdote metódico. Costumava dar conta de suas atividades em agendas e outras anotações que carregava consigo. Na página de uma delas, sem data precisa, mas certamente no contexto de redemocratização, é possível ler o seguinte fragmento que revela um pouco de sua concepção a respeito do trabalho com a juventude desenvolvido na região: “Esperança da sociedade: tendência a idealizar, sem descer no concreto”.  Floris divisava a juventude real, da realidade concreta em suas possibilidades e limitações, que vivia na periferia e nas comunidades rurais, muitas vezes sofrida e sem oportunidade, mas dona de energia e capacidade. A fé que Floris anunciava aos jovens procura estimular o protagonismo juvenil, a convivência e a realização conjunta a contrapelo das idealizações que desaguavam em uma concepção individualista e passiva da juventude.

 

Entre outras referências, Floris se guiava pelas “sugestões práticas” oferecidas pela Encíclica Mater et Magistra publicada pelo Papa João XXIII em 1961. O documento papal, que rememorava a doutrina social da Igreja condensada 70 anos antes por Leão XIII, o orientava para o expediente do “ver, julgar e agir”. A fórmula guiou sua interpretação e os meios para responder às carências sentidas pela juventude sem que isso significasse idealizações descoladas do tecido social e de suas contradições.

 

 Enquanto o Brasil voltava a respirar os ares democráticos, os jovens de nossa região também vivenciavam há algum tempo as transformações oriundas da urbanização da cultura. Iporá, em especial, era então atravessada pela dupla temporalidade vinda do imaginário rural e dos novos rumos que a vivência citadina moderna provocava. Longe de compreender esses dois planos como realidades antagônicas e de esposar leituras reducionistas, que situavam negativamente a cultura e o mundo sertanejo, Floris, assim como outros padres e freiras da região, inspirava a via comunitária que congregava jovens dos vários cantos. É por isso, inclusive, que as caminhadas da juventude que aconteceram em São Luís dos Montes Belos, na véspera da promulgação da Constituição Cidadã, contemplavam também as expectativas por justiça no campo.

 

Padre Floris faleceu em 16 de julho de 1997. Foi sacerdote, professor na antiga Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iporá, promotor da espiritualidade juvenil e defensor da justiça social. Ao lado de outras mulheres e homens, sacerdotes e leigos, Floris marcou a memória local por se posicionar em favor de uma realidade mais justa. Outros agentes, católicos ou não, religiosos ou não, também cooperaram com a edificação de uma sociedade mais atenta às demandas da juventude – Iporá é uma pluralidade de caminhos, de tempos e fios históricos que convivem, tensionam e se misturam, aliás.

 

Floris teve um importante papel na modernização da mentalidade política, no âmbito da atuação popular e democrática em nossa região. Como religioso, o sacerdote defendeu uma espiritualidade que ia além do culto religioso e que fosse capaz enriquecer as relações sociais cotidianas e as disposições políticas em favor do acolhimento e da valorização da dignidade das pessoas, especialmente da classe trabalhadora. Seu trabalho repercutiu além dos limites estadual e nacional e mesmo do mundo católico, é bom dizer.

 

A memória é condicionada no presente ora pelas carências de sentido, ora por novas expectativas, por isso aqueles que rememoraram a passagem de Padre Floris reavivam a esperança de dias melhores que façam frutificar o protagonismo juvenil, o cuidado com o outro e a responsabilidade política promotora de justiça social.

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