Oeste Goiano Notícias, mais que um jornal.
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Metamorfoses de uma Cidade (Parte I). Sobre a História de Iporá

Introdução

 

Ao propormos os seguintes textos que doravante serão publicados, não pretendemos desconstruir ou desconsiderar os pioneiros da historiografia regional; dos quais, dentre eles, cito com todo mérito e apreço ao meu ex-professor na Graduação, o Historiador Moizeis Alexandre Gomis. Porém, nossa pesquisa se fundamentará primordialmente em fonte primárias, evitando o que dentro da ótica histórica chamamos de memorialismo, sem desmerecer os memorialistas; os quais trabalham a história através de memórias coletivas e/ou particulares 

 

Disponibilizaremos aqui, textos menos teóricos e mais factuais; onde estaremos tratando a história regional sem nos prendermos aos conceitos de abandono e decadência. Nossa abordagem visa trazer à público a riqueza e abundância que nossa terra possui; para tanto, em muitos momentos iremos trazer fatos novos ao conhecimento do leitor, e noutros momentos, estaremos divergindo da historiografia do geógrafo Yago Ernane Gonçalves Squiave e do historiador Moizeis Alexandre Gomis.

 

Mudanças: necessárias ou intencionais?

 

Mudança é um tema que sempre intriga e mexe com as pessoas, seja uma mudança física ou interior (emocional,filosófica e/ou conceitual). As mudanças sempre fizeram parte do cotidiano do ser humano, e os ambientes, que são espaços físicos que sofrem direta e/ou indiretamente a ação humana, também se sujeitam às transformações e mudanças.

 

No contexto das transformações e mudanças sofridas e ocorridas em determinada localidade, podemos citar por exemplo que cidades mudam de nome, ruas e praças são criadas e suprimidas conforme a necessidade, cursos de rios e córregos são desviados e/ou canalizados, governos e visões políticas são trocadas conforme o gosto do eleitorado, etc. A cidade de Iporá/GO representa uma verdadeira metamorfose em vários sentidos através de sua vasta história secular, no decorrer deste artigo discorremos alguns destes aspectos de mudanças e transformações.

 

Nosso objetivo é chamar a atenção não só dos leitores, como também de acadêmicos e intelectuais, para a gama de diversidade de fontes históricas, como também o leque de opções para desenvolvimento de estudos relacionados com o Distrito do Rio Claro (Iporá/GO) durante o século XIX. 

 

Como fonte de pesquisa principal optamos por periódicos que circulavam na então Província de Goyaz e traziam em suas publicações reportagens acerca do então Districto do Rio Claro. Cabe aqui ressaltarmos o leitor não estranhar a grafia diferente de alguns nomes e palavras como Cayapó, Districto, Araguaya, Certão, Goyaz, Acto, etc.; optamos aqui pela grafia original dos termos utilizada na época.

 

Primórdios da Apropriação do Oeste Goiano

 

A cidade de Iporá/GO, localizada na região do Oeste Goiano, insere-se no cenário histórico regional por volta do ano de 1748, com a criação e demarcação do Distrito Diamantino do Rio Claro, em terras pertencentes ao então chamado Sertão do Gentio Cayapó. A arrematação do contrato de direitos de exploração dos diamantes na bacia dos rios Claro e Pilões foi atrelada ao contrato do Distrito Diamantino do Tejuco/MG, que já estava oficialmente em operação desde 1734.Os contratos dos Distritos Diamantinos do Tejuco e do Rio Claro foram arrematados em 1748 pela sociedade formada pelos irmãos Felisberto e Cobrado Caldeira Brant juntamente com Luís Pereira. Estes foram protagonistas de um escândalo de sonegação fiscal considerado por muitos como um dos maiores do Brasil dos tempos coloniais. Durante a administração dos irmãos Brant, os distritos diamantinos foram acusados de sonegação de impostos e contrabando de diamantes, o que resultou na prisão e extradição para prisão em Portugal de Felisberto Caldeira Brant, onde ali morreu.

 

 

Por muitos anos a historiografia regional reproduziu a idéia de que o Contrato do Distrito Diamantino do Rio Claro foi rompido pela alegação de que a bacia do Rio Claro foi rompido era infrutífera e/ou insuficiente para justificar o emprego de 200 escravos por parte dos Caldeira Brant. Porém, podemos atribuir a baixa produção diamantina registrada oficialmente no Distrito do Rio Claro ao grande extravio, os meios de fiscalização ineficazes e/ou insuficientes para atender a vasta área do Distrito; e por fim, podemos atribuir o insucesso empresarial dos Brant no Distrito Diamantino do Rio Claro às precárias técnicas de extração que dependia das estações de estiagem das chuvas e enchentes para que o leito dos rios fossem garimpados.

 

Não é o objetivo principal de nosso proposto texto, porém, salientamos apenas que, a idéia de decadência e abandono do Distrito do Rio Claro, consagrada através de GOMIS (1998) e replicada por inúmeros trabalhos acadêmicos, não se justifica; uma vez que, a alegação do “fechamento” do Distrito Diamantino para exploração nunca existiu na prática, pois a extração ilegal, o contrabando de diamantes e a acusação de soldados Dragões que receberem propinas para fazerem vistas grossas, sempre existiram na região da bacia dos rios Claro, Pilões e Caiapó. Tal pensamento pode se basear ao fato que diamantes e ouro sempre foram encontrados/garimpados por toda bacia dos rios Claro e Pilões, até que finalmente no início dos anos de 1990 foi imposta rigorosa legislação e fiscalização quanto à exploração de garimpos em toda região.

 

O advento do Império traz novos ares

 

Passaram-se os anos, e em 1830 o povoado é elevado à categoria de Distrito pertencente ao Município de Goiás, então capital da província de Goyaz; juntamente com sua elevação político-administrativa, o povoado tem sua ermina elevada à categoria de Freguesia com o nome de Paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro. A realidade para o cotidiano do agora Distrito do Rio Claro ganha novos fatores fomentadores; e inicia-se uma mudança nos aspectos sócio, demográfico e econômico com a promulgação da Lei de 25 de outubro de 1832, que aboliu completamente o monopólio Estatal de exploração nos terrenos diamantino das bacias dos rios Claro e Caiapó.

 

Com o advento da promulgação da chamada Lei de Terras em 1850 (Lei no 601, de 18 de setembro de 1850), e com a intensificação das plantações de café nas províncias de Minas Gerais e São Paulo, ocorrem ondas migratórias oriundas destas províncias em direção ao sul de Mato Grosso (atual região do Mato Grosso do Sul), para o chamado Triângulo Mineiro e para as regiões sul, sudoeste e oeste de Goiás.

 

A região das bacias dos rios Claro e Caiapó vive então no segundo quartel do século XIX, uma intensa povoação e colonização de terras que dantes eram dominadas e povoadas por indígenas Cayapó. O governo provincial está determinado em alavancar a economia estagnada pela diminuição da extração de ouro. Para incentivar empreendimentos agropastoris, o governo incentiva o povoamento das terras devolutas em regiões inóspitas com a isenção de impostos para produção agropecuária.

Em 1865 é nomeado como Colato da Paróquia Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro, o padre João Baptista Leite. Por mais de 25 anos este pároco exercerá o sacerdócio no Distrito do Rio Claro, sendo o mesmo, o responsável pelo registro de terras no distrito, no chamado Registro Paroquial. O Pe. João Baptista faleceu ali mesmo no Distrito do Rio Claro, no ano de 1891, vítima de uma febre que acometia a muitos  por toda a região.

 

O governo provincial tenta apaziguar os conflitos entre colonos e índios Cayapó com a criação de Colégios de Catequização; e pelo Acto nº 3.856 de 18 de janeiro de 1866 é criado um aldeamento para os índios Cayapó. Resgatando os princípios políticos administrativos do Marquês de Pombal, e seguindo as diretrizes do General Couto Magalhães, então Presidente da Província de Goyaz; criou-se em 1872 o Colégio Izabel, nas proximidades onde hoje se localiza a cidade de Aruanã/GO. Para abastecer o Colégio de gêneros alimentícios e para aplicar a mão de obra dos índios ali catequizados, foi fundado na margem direita do Rio Araguaia, nas proximidades do Colégio Izabel, a Fazenda Dumbazinho.

 

Distrito do Rio Claro: Depósito da Guerra do Paraguai

 

Com a eclosão da Guerra do Paraguai  (a guerra estendeu-se de dezembro de 1864 a março de 1870), travada entre a aliança militar do  Império do Brasil, República da Argentina e República do Uruguai, contra as agressões militares praticadas por Francisco Solano López (República do Paraguai); a Província de Goyaz viu-se a quase sofrer invasões das tropas paraguaias, que chegaram a invadir, saquear e conquistar a cidade matogrossense de Coxim, já na fronteira sudoeste com Goiás.  

 

Durante a Guerra do Paraguai a Província de Goyaz, além ficar responsável de organizar e enviar tropas de Voluntários da Pátria para os confrontos no sul de Mato Grosso, ao governo goiano também coube abastecer com víveres (galinhas, porcos, vacas, etc), com cereais (arroz, feijão e café) e com derivados (rapadura, toucinho, banha de porco, farinhas de mandioca e de milho, etc.). 

 

Para suprir o objetivo de abastecer de alimentos às tropas brasileiras, o Governo de Goiás criou através do Acto n.º 919, de 13 de fevereiro de 1866, o chamado Depósito do Bahús, o local escolhido foi a fazenda Bahús, pertencente ao sr. Antonio Barbosa. O depósito foi responsável por armazenar gêneros alimentícios e rebanhos. Criou-se também uma rede de depósitos secundários, a fim de comprar tais gêneros necessários e remetê-los ao Depósito do Bahús. 

 

Para atender a demanda de logística bélica, o governo da Província de Goiás incentiva os produtores a aumentarem suas lavouras e rebanhos, uma vez que, os chamados Agentes da Presidência eram responsáveis por percorrerem a zona rural para aquisição de rebanhos e gêneros alimentícios. Tais cargos de agentes foram criados através do Acto n.º 920, também datado de 13 de fevereiro de 1866. Os nomeados da incumbencia de percorrer os sertões goianos na busca de comprar rebanhos e gêneros alimentícios foram: Francisco de Paula Ferreira, Manoel Perreira Valle, Serafim José de Barros, José Joaquim Leão, José Manoel Vilella, José Francisco Guimarães, Antônio Gomes Pinheiro e Manoel Vieira de Resende.

  2 No Brasil o conflito bélico é conhecido como Guerra do Paraguai; na Argentina e no Uruguai, é chamado Guerra da Tríplice Aliança (Guerra de la Triple Alianza);  no Paraguai é denominado de Guerra Grande

Na região do Distrito do Rio Claro existiram dois agentes responsáveis por comprar, armazenar previamente e depois enviar ao Depósito do Bahús, o Capitão Antônio Gomes Pinheiro e o Tenente Manuel Vieira Resende. A província goiana dará total apoio logístico às tropas brasileiras em atuação no conflito bélico contra os paraguaios. Para evitar a inflação dos preços e a especulação alimentícia causada pela alta na procura por cereais, animais para abate e derivados, o governo goiano lançava semanalmente publicação dos preços praticados no Mercado Municipal da Capital, com a intenção de barrar e controlar quaisquer abusos inflacionários nos preços dos alimentos.

 

Os agentes responsáveis pela compra de gêneros alimentícios, gozavam de imensa confiança e prestígio por parte da presidência da provincia. 

 

Com o fim da Guerra podemos afirmar dois pontos que contribuíram para a conquista definitiva da bacia dos Rios Claro e Caiapó: o aumento e incentivo dos rebanhos e lavouras na região, bem como o maior conhecimento topográfico do território goiano, que até então era tida como hostil, inóspita e dominada por índios Cayapó.

 

Já no último quartel do século XIX o Distrito do Rio Claro possuía uma significativa produção agrícola e pecuária. Tal fato apresenta-se nas publicações de jornais que circulavam na capital goiana; onde vemos o excesso da produção de cereais produzidos no Distrito do Rio Claro sendo vendidos no Mercado Municipal da Capital. Os rebanhos eram vendidos para compradores que transportavam em longas marchas e revendiam o gado e as tropas de muares nas feiras da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

 

A economia do Distrito do Rio Claro, à semelhança do cenário provincial, demonstrava sinais claros de dinamização, não baseando mais sua economia unicamente na extração esporádica de diamantes explorados nos leitos dos rios da região. É neste contexto que ocorre a virada do século XIX para o século XX. Somam-se estes fatores aos acontecimentos à nível nacional, tais como a luta e proclamação da Abolição da Escravatura, a proclamação da República, e então temos um cenário de intensas repercussões a nível nacional, estadual e regional (mesmo que sem  profundas mudanças).

 

Em consonância desta hipótese, temos o panorama pecuário apresentado pelo Jornal GOYAZ em sua edição nº124 de Sexta-Feira, 03 de fevereiro de 1888; cuja publicação é intitulada O Far-West do Brazil, apresentava como “os criadores mais fortes” do Distrito do Rio Claro: Manoel Camillo de Freitas com “umas seis centas a oito centas rezes” (Fazenda Matrinchã – localizada entre os atuais Municípios de Iporá e Israelândia); Manoel Fernandes Pereira com “mil e tantas” reses (Fazenda Retiro – localizada em terras hoje pertencentes ao município de Cachoeira de Goiás); e Inocêncio Martins de Alencastro e família “que podem ter umas duas mil e quinhentas” reses (Fazenda São Domingos – localizadas em terras pertencentes ao Município de Cachoeira de Goiás).

 

(Continua…)

Daqui algumas semanas serão publicadas mais informações sobre a História de Iporá

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